Impulsionadas por redes sociais e celebridades, bonecas que imitam bebês reais viram alvo de polêmicas, narrativas políticas e questionamentos sociais sobre o que é real e o que é espetáculo.
As bonecas hiper-realistas que imitam bebês humanos com impressionante precisão são a febre do momento. Desde o fim de 2024 atingiram picos de busca no google trends. O primeiro lugar na procura do tema foi do gesto do Padre Fábio de Melo, após adotar um bebê reborn com síndrome de down, em homenagem à mãe falecida. Os bebês reborn não são uma novidade. Ao contrário, existem há mais de duas décadas. São fabricados por artesãos habilidosos e adquiridos por colecionadores, crianças e mulheres em idade adulta em busca de eternizar os filhos esculpindo-os em silicone, reviver o brincar de boneca ou procurar algum consolo em meio à dor do luto.
Mas o que poderia parecer apenas uma onda nostálgica ou um nicho de colecionadores ganhou contornos de controvérsia. O país já acumula ao menos 25 projetos de lei em diferentes estados propondo que o Sistema Único de Saúde (SUS) se abstenha de oferecer qualquer atendimento a essas bonecas — mesmo que, na prática, apenas um caso foi registrado. A discussão escancara um fenômeno maior: a dificuldade coletiva de distinguir o que é real do que é encenação, o que é informação do que é espetáculo.
A viralização como fim
A lógica das redes sociais, centrada na produção de conteúdo capaz de viralizar, alimenta esse ciclo. Vídeos que simulam situações absurdas, como chás revelação de bonecas, atendimentos médicos negados a “bebês”, rituais de maternidade e até processos judiciais por “guarda” são criados não pela crença no realismo da boneca, mas pela necessidade de engajamento. Em um ambiente em que curtidas se transformam em dinheiro, qualquer narrativa é válida — desde que gere cliques.
E tem funcionado. A comoção digital gerada por esses conteúdos atrai reações indignadas, análises de psicólogos, matérias na imprensa, e, claro, aproveitamento de políticos. O que se vê, na prática, é a simulação da emoção — e a exploração da reação do outro como produto. Não se trata do bebê reborn em si, mas do que ele representa: um novo símbolo da hipérbole digital.
A infância das mulheres e o brincar negado
Por trás da comoção, há também um recorte de gênero que merece atenção. Desde cedo, meninas são incentivadas a brincar de boneca, a ninar, alimentar e cuidar — uma preparação lúdica para os papéis sociais que historicamente lhes foram atribuídos. A boneca é, para muitas, o primeiro contato com a ideia de maternidade. No entanto, ao se tornarem mães reais, essas mesmas mulheres enfrentam expectativas opressivas: devem ser fortes, incansáveis, maduras. Qualquer traço de fragilidade ou desejo de manter o lúdico — mesmo que por meio de uma boneca — passa a ser visto como imaturidade ou desequilíbrio. A sociedade que antes incentivava o brincar, agora o repudia, caso persista na vida adulta.
O novo absurdo
Vivemos o acúmulo do absurdo. De informações — verdadeiras ou não —, de reações emocionais, de interpretações apressadas, de políticas públicas precipitadas. O fenômeno dos bebês reborn é apenas mais um capítulo dessa avalanche de hiper-realidade performática.
A pergunta que fica não é sobre a boneca, mas sobre nós: o que estamos fazendo com nossas emoções, nossas certezas e nossos julgamentos? Se hoje o absurdo tem forma de bebê, o que virá a seguir?
Por Juliana Lima
Jornalista | Apresentadora do Tribuna Livre
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